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os direitos dos soropositivos

Diante da epidemia da AIDS ao longo das décadas, várias políticas públicas foram desenvolvidas para conter a sua expansão, visando garantir a saúde coletiva e o tratamento dos infectados. Porém  um conflito de interesses faz surgir o debate sobre possíveis direitos e deveres destes indivíduos: de um lado, alguns agentes sociais veem o infectado como uma ameaça à saúde pública; do outro, os soropositivos reivindicam a preservação de sua dignidade frente a processos discriminatórios.

 

 

O PL 198, apresentado em fevereiro de 2015 pelo deputado federal gaúcho Darci Pompeo de Mattos (PTD), quer tornar crime hediondo a transmissão deliberada do vírus do HIV, e representa aqueles que pensam os soropositivos como uma ameaça à saúde coletiva. Já as campanhas de conscientização de ONGs para a não discriminação e para o acesso universal aos serviços no Sistema de Saúde vai de encontro ao objetivo de inclusão e fim do preconceito. Deste debate surgem questionamentos sobre os direitos e os deveres dos soropositivos, entre eles a questão do sigilo da doença e a criminalização da transmissão.

 

 

os direitos básicos

O juiz federal Roger Raupp Rios observa que não existe um estatuto com leis específicas para soropositivos. Mas existem determinações que envolvem proibições de discriminação gerais, que também se aplicam aos portadores do HIV, seja quando a Constituição e as leis tratam da proibição de discriminação por raça, sexo, cor, origem, religião ou quaisquer outros, e que incluem a condição de saúde, ou quando as legislações estadual e municipal, junto com os códigos de postura, definem a proibição de discriminação por motivo de saúde, exceto em caso de doenças contagiosas no convívio social - que não é o caso da HIV.

 

Os direitos das pessoas soropositivas também estão nas normas que envolvem o direito à saúde - não apenas pela generalidade das políticas públicas do SUS, que garante o acesso a todos, como também nas ações específicas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde. Como exemplo, o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, que garante serviços para a informação, prevenção e para o tratamento das doenças.

O Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde garante serviços para a informação, prevenção e tratamento 

 

direito do trabalho

Caso o soropositivo opte pela saúde suplementar, prestada pela iniciativa privada, há normas protetivas que impedem que planos de saúde tentem restringir ou onerar mais os portadores de HIV.

 

O Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais do Governo Federal apresentou em 1989 uma declaração específica para pessoas vivendo com HIV, que inclui direitos universais à informação, à assistência que garanta a sua qualidade de vida, à não ser discriminado e não sofrer isolamento ou quarentena, além do direito a participação em todos os aspectos da vida social. Ninguém pode, portanto, fazer referência à doença do outro sem o consentimento da pessoa envolvida, entre outros. A Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da AIDS está disponível aqui

 

Em relação ao direito do trabalho, Rios destaca que o Tribunal Superior do Trabalho divulgou recentemente a Súmula 443, que cria a hipótese de estabilidade para o empregado portador de vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Assim, o funcionário está protegido de qualquer discriminação na relação de emprego.  

 

Outros pontos ainda suscitam muito debate e militância. Entre eles, destaca-se a quebra de patentes de medicamento e a propriedade intelectual de pesquisa relacionadas ao HIV. São, conforme o juiz, questões complexas que envolvem o direito econômico, o direito administrativo e o direito à saúde quanto ao financiamento e a gestão da saúde pública.

 

Direitos garantidos aos indivíduos vivendo com HIV/AIDS 

 

o sigilo

Uma questão ética muito forte é a decisão de revelar a situação sorológica para os parceiros sexuais. Isto envolve constrangimentos e traumas para quem revela, que pode ser discriminado ou perder o seu parceiro, e também recai nas responsabilidades do portador em relação a saúde do outro. Vários países debatem este assunto: a Bolívia apresentou em 2007 a lei 3729, que obriga os soropositivos a revelarem o seu estado sorológico aos seus parceiros. O direito brasileiro tem posições bem definidas quanto a isto.

 

Conforme Roger Raupp Rios, o direito à privacidade e a intimidade é universal, soropositivos ou não. Portanto, ninguém tem o dever de declarar, para quem quer que seja, o seu estado sorológico.

 

Observando a questão do ponto de vista da saúde pública e da saúde coletiva, dar publicidade a condição sorológica de alguém teria algum impacto positivo? O juiz observa que o resultado de tal política, ao invés de ajudar no controle da doença, poderia servir de impulso para que as pessoas, ao invés de se cuidarem e de descobrirem o seu estado sorológico, se recusem a saber e a  buscar ajuda para evitar os constrangimentos e discriminações, aumentando a exposição ao vírus.

 

Roger Raupp Rios - Sigilo
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A intimidade e a privacidade do indivíduo são direitos garantidos, e só ele pode ter o controle em publicitar o seu estado sorológico e de saúde. No entanto, cabe a cada um refletir sobre as suas responsabilidades e sobre o impacto que a decisão de revelar a sua soropositividade para o parceiro, a família e os amigos teria no seu tratamento.


 

No seminário AIDS no Sul, ocorrido em Porto Alegre nos dias 15 e 16 de junho, a doutora em etnologia e antropologia social Daniela Knauth apresentou os resultados de sua pesquisa entre homens soropositivos de Porto Alegre. Muitos optam, segundo o estudo, por constatar o seu estado sorológico através do exame na doação de sangue ao invés de utilizar os serviços especializados, com toda a rede de aconselhamento e encaminhamento para tratamentos. Nestes casos, segundo a pesquisadora, o diagnóstico tende a permanecer em sigilo e a maioria não procura acompanhamento médico, um dos motivos para que os índices de mortalidade por AIDS sejam muito superiores entre os homens do que entre as mulheres: elas geralmente optam por compartilhar o seu estado e procurar ajuda.

 

 

criminalizar a transmissão?

O PL 198, apresentado pelo deputado federal gaúcho Darci Pompeo de Mattos (PDT), propõe tornar crime hediondo a transmissão deliberada do HIV, e provocou muito debate sobre a responsabilização dos soropositivos. A justificativa apresentada pelo projeto é que a AIDS é incurável, mata com o decorrer do tempo. Os soropositivos tem conhecimento de que podem infectar outros indivíduos se não tomarem as precauções necessárias, por isso podem ser responsabilizados caso façam a transmissão conscientemente.

 

Esta proposta surge num momento de comoção gerada pela veiculação na mídia de várias notícias sobre os “grupos de carimbo”, que tem por objetivo contaminar intencionalmente parceiros sexuais ou espalhar o vírus através de outras estratégias. A comoção não pode, no entanto, impedir a reflexão de alguns pontos a respeito deste projeto de lei.

 

A justificativa de que a AIDS mata no decorrer do tempo é questionável. Quem adere ao tratamento pode ter uma rotina normal e uma alta expectativa de vida.

Roger Raupp Rios - Responsabilização
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A UNAIDS, programa das Nações Unidas que cria soluções para ajudar nações no combate à AIDS, emitiu um alerta em abril de 2015 que se opõe a PL/198, destacando cinco argumentos: a criminalização não traz benefícios diretos para a saúde pública, desconsidera o avanço da ciência em relação à prevenção e ao tratamento do HIV, provoca retrocessos em relação aos avanços já consolidados com a resposta comprovadamente eficaz adotada pelo Brasil, além de ir na contramão de vários países que criminalizavam a transmissão e estão reformando suas leis. Ademais,a maioria das pessoas que se sabem HIV positivas tomam medidas para evitar a transmissão. Assim, tornando ações de minorias criminosas como gerais, a estigmatização dessas pessoas poderia ser reforçada, e injustiças de julgamento onde a transmissão não intencional pode ser tida como intencional podem acontecer.

 

O juiz Rios entende que esta lógica reativa não acrescenta nada de positivo para a prevenção e para a saúde das pessoas, pelo contrário: alimenta o autoritarismo e a repressão, o que pode levar os indivíduos a recusarem o conhecimento do seu estado sorológico para evitar a responsabilização. O juiz também destaca que é evidente que as pessoas têm responsabilidade pelos seus atos, mas que o primeiro dever de cuidado que a pessoa deve ter é consigo mesma.

 

 

No entanto, quem deliberadamente engana outra pessoa com o objetivo de infectar outra pessoa, está cometendo um crime, mesmo sem uma lei específica para o caso do HIV: segundo o juiz, o crime de transmissão de contágio de doença de forma deliberada para prejudicar a outra pessoa já existe para qualquer tipo de doença. Os infratores podem sofrer sanções e, portanto, a PL 198 além de não trazer nada novo, ainda pode estigmatizar e provocar danos às pessoas que tomam as devidas precauções para evitar a transmissão.

 

 

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